Confira as respostas do especialista da OMS, Dr. Marco Antônio de Ávila Vitória, às perguntas enviadas pelo chat durante a live, realizada no dia 01/09/2020.
Luciana Carvalho: E Diabetes tipo 1?
Olá Luciana! Pode ser diabetes tipo 1 ou tipo 2. Os casos de interação entre COVID-19 e diabetes tem sido mais em pessoas com diabetes tipo 2, porque esse é o tipo mais comum na população mundial. Existem estudos sugerindo que a quantidade de um receptor celular que é utilizado pelo SARSCoV2 para entrar nas células estaria aumentada nas pessoas com diabetes, seja do tipo 1 ou tipo 2.
Euler Lasmar: Parabéns pela excelente palestra. Qual vacina seria mais efetiva: com vírus morto ou atenuado? O COVID 19 assim como o vírus da influenza veio para ficar?
Olá Euler! Não existe nenhum tipo de comparação entre as diversas vacinas em estudo para podermos afirmar que um tipo seria superior ao outro. Todas as vacinas em fase 3 até o momento induzem altos níveis de anticorpos neutralizantes. Existem 6 tipos diferentes de plataformas vacinais contra COVID em teste. Algumas necessitam de 1 dose e outras necessitam de duas doses. Alguns tipos de vacinas utilizam uma metodologia mais moderna (mRNA), e que apresenta vantagens do ponto de vista de ser mais específica e potencialmente induzir uma imunidade mais robusta. Porém, a tecnologia é nova (está também sendo testada para Ebola, HIV e Zika) e ainda não foi validada em nenhuma outra vacina em uso clínico. Outras utilizam tecnologias tradicionais (fragmentos do vírus ou com antígenos específicos incorporados em outros vírus carreadores), são mais conhecidas e mais fáceis de transferir a tecnologia. Quanto ao fato de ser uma vacina com fragmentos do vírus ou “atenuado” (ou seja, uso de outros vírus como canaripox ou adenovírus que não são patogénicos para o homem como agentes carreadores), não existe nenhuma evidência de que um seja melhor que o outro como um princípio. Trata-se principalmente de uma questão de tecnologia e fabricação. Somente os estudos de fase III vão dizer qual será a melhor clinicamente… E quanto à pergunta se o COVID19 veio para ficar, eu acredito que sim… Em um contexto pandêmico, com o vírus largamente disseminado na população global, dificilmente será totalmente erradicado, mesmo com vacinas e medicamentos eficazes… A única história de sucesso na erradicação de um vírus pandêmico que conhecemos foi a da Varíola, e isso demorou séculos, e em um mundo muito menor e menos complicado… Segue o link do último relatório da OMS sobre as 19 vacinas em estágio mais avançado de desenvolvimento, com mais detalhes: https://www.who.int/publications/m/item/draft-landscape-of-covid-19-candidate-vaccines
Euler Lasmar: O uso da dexametasona seria apenas para os casos mais graves?
Olá Euler! Sim, no momento, o benefício do uso de dexametasona e outros corticosteroides sistêmicos foi demonstrado apenas nos indivíduos que estão na fase inflamatória da doença, com doença grave. O uso muito precoce não mostrou benefício e não é recomendado. Segue o link para o documento da OMS com as orientações quanto ao uso de corticosteroides na COVID-19 que foi publicado hoje: https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-Corticosteroids-2020.1
Augusto Lopes: Boa noite, Marco! Você poderia comentar sobre as mutações do SARS-COV2 e o impacto que isso teria nas vacinas nesse primeiro momento??
Olá Augusto! Existem 6 cepas do SARSCov2 descritas até o momento, mas o grau de variação entre elas parece ser muito pequeno, e aparentemente isso não está associado com nenhuma diferença no perfil clínico ou na capacidade de responder as vacinas em estudo. Porém, é necessário se acompanhar isso mais de perto nos estudos em andamento e verificar se alguma diferença na resposta vacinal possa ocorrer por causa disso.
Thiago Morais: Dr. Marco Antônio, como a OMS acompanha doenças como o Ebola? São monitoradas e preocupam para um futuro próximo?
Sim Thiago. A OMS tem protocolos específicos para monitoramento de doenças emergentes como o Ebola, Zika, e COVID-19, entre outras. Na webpage da OMS você poderá ver os detalhes. O vírus Ebola é uma doença que preocupa muito, já que os surtos epidêmicos estão acontecendo de forma cada vez mais frequente, mais prolongados e área de abrangência mais ampla, possivelmente ligado aos movimentos de populações, urbanização sem planejamento e alterações da ecologia nos locais onde o vírus circula. No momento, estamos enfrentando uma epidemia de Ebola na República Democrática do Congo que dura vários meses.
Claudia Bartolomeu: já tive a doença e gostaria de saber o que sabem sobre a reinfecção!!! Quanto tempo dura a imunidade?
Olá Claudia! Esse é um assunto recente e muito polêmico. Esse fenômeno acontece em algumas doenças (ex: dengue) e geralmente ocorre quando há diferenças de subtipo ou a imunidade é muito curta ou de baixa intensidade. Recentemente foram identificados alguns casos de reinfecção comprovada na Europa (a segunda infecção por um subtipo diferente da primeira infecção). Parece ser um fenômeno raro, mas como ainda temos muito pouco tempo de pandemia, não sabemos exatamente o que isso significa do ponto de vista clínico (ou seja, se a reinfecção causaria uma doença mais leve ou mais forte) ou mesmo do ponto de vista da resposta a vacinas (ou seja, se a imunidade gerada contra um subtipo é suficiente para prevenir uma nova infeção por um outro subtipo). Por isso, no momento, é recomendado que mesmo as pessoas que já tiveram COVID-19 devem continuar usando as medidas de proteção, como as pessoas que não tiveram.
Aline Reis: A probabilidade de incidência de novas doenças, decorrentes dos fluxos de pessoas pelo mundo é praticamente fato. Com isso, novos métodos de controle sanitários serão necessários?
Olá Aline! Sim, essa é uma grande preocupação nossa. Com o fluxo cada vez maior de pessoas pelo mundo, o risco de disseminação de novas doenças é cada vez maior. Para tentar minimizar esse problema, a vigilância epidemiológica mais ativa e a cooperação entre os países no sentido de se estabelecer um intercâmbio de informações de forma rápida e transparente parece ser o principal meio de se atuar nessa questão. Estratégias como fechar fronteiras ou exigir testes ou “passaportes de imunidade” contra certas doenças para permitir a entrada de pessoas nos países parecem ter muito pouco efeito sobre esse risco.
Aline Reis: Acredita que há potencial na utilização de tecnologias como chips para que cada usuário tenha consigo o seu prontuário e histórico de saúde? Talvez utilizando de forma mais ampla sistema IoT e IA?
Oi Aline! Essa possibilidade já vem sendo discutida em muitos fóruns de inovação em saúde, mas ainda existem questões de natureza técnica, logística, equidade e ética a serem equacionadas. Em setembro de 2019, saiu uma série de artigos na revista científica Nature que abordam bem esse tema. Vale a pena ler. https://www.nature.com/articles/d41586-019-02872-2
Luciana Carvalho: Gostaria de ouvir a opinião do Dr. Marco Antônio sobre o papel do SUS no combate brasileiro à pandemia!
Oi Luciana! Sistemas de saúde com os princípios do SUS (universalidade, integralidade e equidade) são os ideais para lidar com pandemias. A missão do SUS é promover a atenção integral à saúde de todos sem qualquer discriminação de sexo, raça ou status social, sem custo para o usuário, e em todos os níveis de cuidado (ou seja primário, secundário ou terciário). Assim, ele deve fornecer desde a testagem de casos suspeitos até a internação dos casos graves de COVID-19. Porém, é preciso que as ações sejam coordenadas e que os recursos humanos e materiais sejam treinados e distribuídos de forma adequada para que os resultados sejam efetivos. Mas mesmo com todas as limitações que o sistema tem enfrentado nos últimos anos, o Brasil enfrentaria dificuldades ainda maiores no combate à pandemia se não possuísse um sistema de cobertura gratuita, universal, integral e equitativa como o SUS.
Giovana Baião: Quais são os riscos de uma vacina ser liberada tão rápido? Em quanto tempo poderemos ver se essa vacina trouxe efeitos colaterais maiores que os benefícios protetivos?
Oi Giovana! Existe uma perspectiva entre grande parte dos pesquisadores que o processo de aprovação clínica, licenciamento e produção em larga escala desses produtos deverá ocorrer em um tempo recorde, com as previsões mais otimistas sugerindo que, se tudo ocorrer como previsto, uma ou mais vacinas contra o novo coronavírus podem começar a ser disponibilizadas para a população ainda no início de 2021. Isso nunca ocorreu na história das vacinas, que geralmente levam muitos anos para serem liberadas para o uso clínico. Porém, é muito importante que esse processo sem precedentes na nossa história de aceleração de desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus não comprometa os protocolos de avaliação criteriosa da sua segurança, eficácia e qualidade que a OMS adota. Os estudos de fase 3 geralmente duram 1-2 anos, mas no contexto atual, os primeiros resultados são esperados em 6 meses ou até menos, mas avaliações posteriores continuarão a ser feitas mesmo depois da aprovação para uso clínico do produto.
Hércules Neves, professor da FCMMG: Foi dito que um dos grandes problemas do CoV2 é o R0 elevado. O R0 do sarampo é muito maior, mas a sua vacina torna o problema controlável. Por que se diz que a COVID continuará a ser uma ameaça?
Olá Hercules! Prazer em falar com você novamente. Apesar do R0 do novo coronavírus ser 3-4 vezes menor do que o do vírus do sarampo, ele é suficiente para permitir um grau de transmissão comunitária bem intenso e explosivo. Esse fato é agravado pelo fato da infecção ser assintomática em mais de 80% dos casos, e também porque a COVID-19 está associada com a ocorrência de formas clínicas graves em uma proporção bem maior do que no sarampo. Além disso, a vacina contra o sarampo tem uma eficácia muito alta (99%) e duradoura, e ainda não sabemos se a eficácia das primeiras vacinas contra o coronavírus terão um grau tão elevado ou prolongado.
Raira Resende: Quais são os planos da OMS para o cenário pós-pandemia visando os danos deixados pelo Covid-19 no âmbito biopsicossocial?
Oi Raira! Obrigado pela sua pergunta durante a live e também por essa. Sem dúvida o manejo das consequências pós-pandemia sobre a saúde global são um grande desafio para todos nós e a OMS já tem desenvolvido planos nesse sentido. Um desses desafios é tentar diminuir o impacto na morbidade e mortalidade de outras doenças de importância em saúde púbica causadas pelo confinamento e restrição de movimentos necessários para controlar a pandemia, que prejudicou o acesso ao diagnóstico e ao tratamento dessas doenças. A OMS estima que a COVID deve aumentar a taxa de mortalidade do HIV em 10% nos próximos 5 anos, e no caso da Tuberculose, esse número deve ser de 20%. Nesse sentido, a OMS publicou um guia de suporte aos países para manter os serviços essenciais durante a pandemia e minimizar esse problema (https://www.who.int/publications/i/item/WHO-2019-nCoV-essential-health-services-2020.1). Outra questão importante é o impacto da COVID na saúde mental. A OMS também se preocupa com esse tema e publicou recomendações (https://www.who.int/teams/mental-health-and-substance-use/covid-19). A revista Scientific American publicou um excelente artigo sobre isso em Junho (https://www.scientificamerican.com/article/mental-health-after-covid-19/).
France de Paula: Dr. Marco Antônio, acredito que é e será um outro desafio a preocupação voltada com a saúde mental durante pandemia e pós pandemia devido a toda carga emocional citada.
Olá France! Sim. O impacto da COVID na saúde mental é muito grande. A OMS também se preocupa com esse tema e publicou recomendações (https://www.who.int/teams/mental-health-and-substance-use/covid-19). A revista Scientific American publicou um excelente artigo sobre isso em Junho (https://www.scientificamerican.com/article/mental-health-after-covid-19/).
BARBARA SGARBI: Apesar da vulnerabilidade dos países localizados na África, muitos possuem um baixo número de casos e mortes. Apesar de uma possível subnotificação, teria algum fator que poderia ser atribuído?
Olá Barbara! Sim, é bem provável que haja uma grande subnotificação de casos de infecção pelo novo coronavírus na África porque o acesso à testagem é variável, mas em geral, é muito baixa. Porém, seria muito mais difícil não observar um aumento no número de mortes, o que parece não estar acontecendo como esperado em muitos países no continente. As possíveis explicações para isso podem ser várias: a epidemia na África pode ter sido atenuada (ou atrasada), pelo fato de ter chegado no continente mais tarde e permitido os países implementarem as restrições de movimento de forma muito precoce (e em alguns isso foi prolongado), e talvez a onda nas mortes por COVID ainda não tenha chegado. Outro aspecto é o perfil etário da população. Em muitos países africanos, a proporção de jovens é muito maior do que em outros continentes. Além disso, a proporção de obesidade e diabetes, que são fatores de risco para doença grave na população geral é menor do que em outros continentes. Porém, em alguns países africanos, a taxa de letalidade é semelhante ou até maior que observado em países europeus ou latino-americanos. Segue o link do último relatório da OMS sobre a COVID-19 na África com os números no continente. https://www.afro.who.int/publications/situation-reports-covid-19-outbreak-sitrep-26-26-august-2020
Fabio Kanadani: Boa noite. Parabéns pela iniciativa da FELUMA. Há algum relato de complicações sérias em alguma vacina em teste?
Olá Fabio! Felizmente nenhuma reação grave foi documentada. Alguns casos de reações locais leves na pele no local de aplicação foram reportados, mas isso é comum com todas as vacinas, e não representam nenhum perigo. Os estudos iniciais (fase I e II) indicam que as vacinas em testes parecem ser seguras nesse ponto de vista. Mas é preciso se avaliar isso de forma mais ampla nos estudos de Fase III que estão em andamento.
RAQUEL PITCHON: Parabéns pelo seu excelente trabalho! Nessa fase que a maior parte do Brasil se encontra no momento, qual a melhor estratégia de rastreamento e testagem? Obrigada, Raquel Pitchon.
Olá Raquel! A identificação dos infectados pelo SARSCOV-2 e o rastreamento e testagem dos contatos é indicada em qualquer fase da pandemia, e considerada como uma das medidas mais importantes para se controlar a transmissão do novo coronavírus. Quanto mais cedo e ampla é feita, melhor é o resultado sobre a curva epidêmica. Porém, o teste indicado para isso é o que detecta a presença do vírus (PCR – aquele do cotonete no nariz). O uso de testes sorológicos atuais não é bom para esse fim, pois ainda tem uma acurácia baixa e são mais úteis para detectar infecção prévia e em avaliações epidemiológicas.